Sobre o próprio



por GIL MENDO

Programador de Dança, CULTURGEST



Conheço bem João Lucas, cuja actividade artística tenho acompanhado desde o início dos anos 1990, na minha qualidade de programador de dança.
João Lucas fez parte da comunidade de artistas que se destacou no que foi então chamado Movimento da Nova Dança Portuguesa e tem desde então sido um dos músicos e compositores mais ligados à criação coreográfica portuguesa contemporânea.
Valorizo muito o seu trabalho, pelo seu talento e criatividade musical, pelo seu perfeito entendimento da dança contemporânea e pela qualidade que acrescenta a todos os projectos de colaboração artística em que se envolve.





por GONÇALO M. TAVARES

Escritor


O trabalho de João Lucas em "Durações de um minuto" - peça de Clara Andermatt e Marco martins, na qual eu colaborei com o texto - foi, desde o início, determinante para a criação da estrutura base da peça. Desde o 1º dia que João Lucas se mostrou um criativo entusiasta e participante, um criador de paisagens sonoras que muitas vezes se transformavam nas protagonistas essenciais da cena, deixando pois de ser paisagens. Por vezes os sons marcavam o ritmo, outras vezes levavam o espectador numa direcção específica, ligando de forma tensa e forte com o movimentos dos actores/bailarinos. As contagens descrescentes dos vários minutos da peça eram um excelente exemplo desta 2ª formas de intervenção. A grande qualidade do trabalho criativo do João Lucas junta-se à sua generosidade e entrega, e à forma simpática como particpou em todos os momentos. Foi um grande prazer trabalhar com o João.









por ANTÓNIO CABRITA
Escritor e jornalista português, residente em Maputo


O JOÃO LUCAS? Em Linda-a-Velha, a terra onde nasceu, era conhecido como o Tripé.
Porque o marmanjo queria fazer tudo e bem: dar um baile ao Rick Wakeman no piano, corrigir em traços vigorosos alguma debilidade do desenho de Corto Maltese, e escrever com a precisão com que o diabo contava de trás para a frente todos os cabelos na trunfa de Byron.
Só não cheguei a saber se sempre ficou com a miúda mais gira da rua.
Mas os três dons não lhe tiram.
Depois tocou com alguns dos melhores músicos/cantores da praça portuguesa (O Sérgio Godinho, o Fausto, o João Afonso, entre outros), e fez arranjos do caneco. E continuou a fazer “canecas” de primeira água em inúmeras peças para teatro e dança.
A última, ouvi-lha eu em Maputo, no espectáculo «Gold», onde com três timbilas, flautas e algumas vozes me debruçou sobre os caminhos do infinito.
Por isso, ouvindo o disco, onde o seu piano, só com a voz de João Afonso e sem rede, reescreve algumas canções de José Afonso, saiu-me o poema que vai abaixo:

















ELOGIO E DESSIMPLIFICAÇÃO DE JOÃO LUCAS

À luz de um coto de vela, embute-se a alba
na brisa nascente; a noite, adivinhando
fissuras na casca do seu ovo, retira-se
furtiva, cingida ao voo da garça. Já lhe fui

mais apegado, mergulhador em recifes
invisíveis, guarda de bengaleiro
nos bares de atribulação lunar.
Um copo era um farol nocturno!

E não via que a noite é um anfitrião
enlouquecido pela paixão de dissentir,
rato que fosforesce assim que vê águia.
Prefiro agora discernir entre uma esquina

e uma curva, e surpreender o vento
a dar o litro no estofo da floresta. Não
é uma mera questão de estar lúcido,
de estar apto para lhe tactear o recorte, mas

o reconhecimento: a luz é o maior mistério,
um palimpsesto onde se sucedem graus, tons,
rasgaduras e sedas, e sondá-la é um perpétuo
inacabamento. No fundo, não enxergávamos

que a noite é-nos intrínseca, como o bigode
que amiúde aparamos, e que só a luz
nos é dada, decerto para capotarmos
no grau de inadaptabilidade que nos distingue

e supera, até valorizarmos o que por nós
espera para ser crepitação e confluência.
A noite é o Urano que devora os filhos
– imagine-se – à procura de dentes de ouro.

Aspirado pelo peso do seu próprio impasse.
Quem se especializa na noite, no seu íntimo
não descola do plinto da memória,
gargalo que só admite o ensimesmar-se.

Prensa de nuvens, a luz ressalta no clamor
dos meios tons, moldada em chuva,
em áleas de jacarandás, em verniz e fuligem.
A tudo abraça, inclusive o lixo, e na sua extensão

aprendes a venerar o que desconheces.
Não há nisto nada de exclusivamente solar,
de aplausos sem fim, ou de isenção de melindres,
simplesmente a luz abraça o vário, e dança

no meio da turba, ao contrário da noite
que se oculta atrás de uma matilha de sombras.
O que me sussurram, noite dentro, vezes sem conta,
o timbre, os dedos nítidos de João Lucas ao piano.